30 de jul. de 2010

O estranho "Acostumar"


Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e não ver vista que não sejam as janelas ao redor. E porque não tem vista logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma e não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, se esquece do sol, se esquece do ar, esquece da amplidão.
A gente se acostuma a acordar sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder tempo. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E não aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: “hoje não posso ir”. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisa tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que se deseja e necessita. E a lutar para ganhar com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar nas ruas e ver cartazes. A abrir as revistas e ler artigos. A ligar a televisão e assistir comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição, às salas fechadas de ar condicionado e ao cheiro de cigarros. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam à luz natural. Às bactérias de água potável. À contaminação da água do mar. À morte lenta dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinhos, a não ter galo de madrugada, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta por perto.
---------> A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta lá.
Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua o resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem muito sono atrasado.
A gente se acostuma a não falar na aspereza para preservar a pele. Se acostuma para evitar sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito. ( Marina Colassanti)

A gente se acostuma para poupar a vida.
...Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma... A gente se acostuma...
Sendo assim... Viveremos eternamente nos propagando e nos adequando das coisas que não possui um sentido/valor real pra vida.
Geralmente deixamos o que deve ser contestado pra lá. Não criticamos algo errado por nos acostumar... o que nos sufoca figimos não ver;.
O costume maltrata... Não tem segredo.
Ele nos leva a achar que tudo na vida pode ser simplesmente vivido sem conturbações, basta apenas se acostumar.
Não pense assim, embora também me acostume com os erros que vejo no mundo, sei o devia e devo fazer. Mas creio que devemos olhar para o que deve mudar e opinar, criticar, contrariar, distinguir, desfazer o que não está bem feito, consertar o possível. Podemos tudo isso. O que não podemos é nos acostumar ao que não fará nada nem ninguém feliz. Sejamos que somos. Sofreremos o que for necessário. Destilaremos o que for preciso. Mas estaremos sendo contrário ao que o mundo proporciona de ruim, o que creio ser certo. Guerra, problemas familiares e sociais, sociedade infâme e despreocupada com o meio ambiente em que vivemos, relação das pessoas mesquinhas e individuais... A isso também nos acostumanos ou nem nos importamos. Por que apenas nos acostumar a isso se podemos conserta-los da maneira possível que nos cabe. Fazer o mínimo já é o bastante para o que o seu Deus,o único Deus, possa ver o quão integrado e útil você foi ao mundo. Lembre-se critique, contrarie mas nunca perca a razão de Deus. Não se acostume... Lute... Vença... Sofra... Sinta... Mas seja sempre você mesmo... Por que o certo seria... A gente não pode se acostumar. 
*ReFliTa* ---- Obg pela atenção! Por hoje é só. Manoel Britto xD.

Um comentário:

  1. Gostei do texto, principalmente o seu comentário! Não podemos nos acostumar com as coisas, pois nunca saberemos o que vai nos acontecer amanhã. Temos que nos preparar sempre para as mudanças do mundo! Beijoos #BFF

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