Precipício

Estou de volta aquele lago onde minha infância passei, sinto-me dono daquele lugar, diria que penso até ser rei daquela solidão. Rei da lembrança que está fincada em mim, como marca em brasa no corpo de um animal selvagem. Sou racional, bem sei, mas sinto-me pressa fácil da iniqüidade e malícia dos ímpios que estão a me rodear.
Nesse lago vejo alguém que comigo se parece, ele está sempre lá quando fico a encarar as águas claras que por ali passeiam, escorrem. Imagino no fim daquelas águas uma bela cachoeira de uma notável altura... fico a pensar como seria a adrenalina de, sem suporte, ali se jogar.
Vejo-me a seis passos do precipício num momento nostálgico de cada momento triste que passei, das dores que senti e das que causei. Por um momento penso que vale a pena pular, e na sensação de estar num abismo ver minha vida acabar. Ao lembrar que seria o fim, paro, penso, reflito, repenso...
Talvez eu esteja querendo fazer isso não só porque quero parar meu sofrimento, mas também por que quero esquecer aqueles tormentos que causei ou posso causar e também pelo medo de mais vezes se frustrar e como fracassado a si próprio acusar...
Vai ver quero o fim não apenas porque sou fracassado e sim porque a esperança de mim se apagou...
Olho para traz, penso não ser o momento por saber que não passo de um humano e humanos não devem tirar sua própria vida. Ao desistir... uma voz fala-me ao coração...
''Até neste momento de angústia querido filho, eu estou contigo e nunca te deixarei''.

...Vejo tudo reluzir, as flores se abrir, o mundo a iluminar, por minha face lágrimas rolar e me vem a tona que Deus está comigo e Ele, só Ele, sabe qual é a melhor hora de descansar.
Desperto do pequeno cochilo e vejo que tudo não passou apenas de um sonho... menos a certeza que Deus proverá.

Manoel Britto